Carta MCC Brasil – AGO 2012 (156ª.)
“Desceu,
então, uma nuvem, cobrindo-os com sua sombra. E da nuvem saiu uma voz:
“Este é o meu Filho amado”. escutai-o!...(Cs Mc 9,5.7) “Levantai-vos,
não tenhais medo” (Mt 17,7).
“Pois
não foi seguindo fábulas habilmente inventadas que vos demos a conhecer
o poder e a vontade de nosso Senhor Jesus Cristo, mas sim, por termos
sido testemunhas oculares da sua grandeza. efetivamente, ele recebeu
honra e glória da parte de Deus Pai, quando do seio da esplêndida glória
se fez a ouvir aquela voz que dizia: “Este é o meu Filho bem-amado, no
qual está om meu agrado”. Esta voz, nós a ouvimos, vinda do céu, quando
estávamos com ele na montanha santa” (2PD 1,16 -17).
Irmãos
e irmãs, lavados pelo sangue redentor do Senhor Jesus e com Ele
transfigurados à sua imagem: esteja com vocês a luz fulgurante da graça
divina!
Acompanhando
as celebrações litúrgicas deste mês de agosto, podemos mergulhar em
nossa reflexão num dos momentos mais significativos para a nossa fé no
Filho de Deus: a transfiguração de Jesus no Monte Tabor (dia 6). E, é
claro, ainda que somente numa breve referência por ser limitado este
nosso espaço, lembrar a festividade da Assunção de Nossa Senhora (dia
15; neste ano, na Igreja no Brasil, transferida para o domingo seguinte,
dia 19).
1. Escutar Jesus
a) Escutar apenas Jesus no seu coração, na sua vida.
Os ruídos externos, as vozes que vêm de fora, os rumores da publicidade
através dos modernos e ousados meios de comunicação, as nossas
“necessidades necessárias”, enfim, as seduções quase irresistíveis do
consumismo e do prazer, tudo isso vai criando como que uma muralha entre
a Palavra – Jesus – e o coração de quem a ouve. Assim, de tal modo
somos envolvidos, que nem sempre conseguimos escutá-la. A mente humana
torna-se uma verdadeira caixa de ressonância que nos impede de “escutar”
tudo o que Jesus tenta nos comunicar. Pois “escutar” é muito mais
penetrante do que, simplesmente “ouvir”. O “ouvir” é transitório ou,
como se costuma dizer, é quando a palavra ‘entra por um ouvido e sai
pelo outro’. O “escutar” percorre o caminho mais longo que, entrando
primeiro no ouvido, em seguida vai á mente e, depois, chega ao coração.
Os ouvidos ouvem a Palavra, a mente a escuta e o coração aberto a recebe
e assimila na vida. É ali, nas profundezas daquele órgão que simboliza a
vida, que experimentamos a emoção da Palavra. Emoção que, de volta à
mente, deve levar a uma opção de vida. De forma que a Palavra, entrando e
transformando a vida de quem a escuta, impele a descer do Tabor do
enlevo, do Tabor da admiração, do Tabor da mera contemplação sem a ação
evangelizadora ou do Tabor da acomodação à pura e ruinosa rotina... Para
voltar ao chão do dia a dia, transfigurado pela Palavra e com a
Palavra. Do mesmo modo que a Pedro, privilegiado expectador de Jesus
transfigurado, também a nós pode assaltar-nos a tentação de armar
tendas: “Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias” (Mt
17,4). Com uma agravante para nós: talvez, até, propuséssemos armar uma
“tenda pessoal”, ao contrário de Pedro que, desinteressadamente,
esqueceu-se de si mesmo e dos companheiros...
Agora,
meu irmão, minha irmã, uma pergunta que não quer calar: você “ouve”
somente, ou “escuta” a Palavra daquele que é o Filho muito amado do Pai?
Se a escuta, você tem a coragem de descer do seu Tabor e tenta
colocá-la em prática na solidariedade, na compreensão, na verdadeira
amizade fraterna, no perdão, etc.? Ou deixa-se envolver por outras
palavras barulhentas que agridem seus ouvidos entrando na sua mente e,
até, no seu coração e que, portanto, acaba determinando sua maneira de
pensar – sua mentalidade – e orientando o rumo de sua vida? Aliás, são
palavras ou ruídos que podemos identificar, segundo São Pedro, como
“fábulas inventadas”: “Pois
não foi seguindo fábulas habilmente inventadas que vos demos a conhecer
o poder e a vontade de nosso Senhor Jesus Cristo, mas sim, por termos
sido testemunhas oculares da sua grandeza”.
b) “Levantai-vos, não tenhais medo”. Será
que também nós temos medo de escutar somente Jesus? Com muita razão, um
bastante respeitado teólogo moderno, o espanhol José Antônio Pagola,
num excelente texto sobre a Transfiguração de Jesus, afirma que devemos
“escutar apenas Jesus”: “Também a nós, cristãos de hoje, nos mete medo
escutar somente Jesus. Não ousamos colocá-lo no centro das nossas vidas e
comunidades. Não lhe deixamos ser a única e definitiva Palavra. É o
próprio Jesus quem nos pode libertar de tantos medos, covardias e
ambiguidades se nos deixarmos transformar por Ele” [1].
De fato, por experimentá-los em nossa própria carne, cada um de nós
sabe de que medo da escuta da Palavra é possuído. Eu diria, melhor, até
dominado ou escravizado por eles. Há, portanto, medos pessoais: medo da
escutar a Palavra para não nos comprometermos com ela; medo de sair dos
nossos comodismos; medo de renunciar aos nossos insaciáveis desejos do
ter e do poder; medo de ser solidários; medo de ser julgados como
ignorantes do que seja “levar vantagem em tudo”; medo, enfim, da prática
do “sermão da montanha”, isto é, da prática das bem-aventuranças (Cf.
MT 5,1-11). Parece que só não temos medo de erguer nossa tenda no Monte
Tabor!
E
há os medos, digamos, “genéricos”. Entre esses medos, aproveito para
partilhar com meus queridos leitores, alguns medos citados pelo mesmo
Pagola [2] e que são próprios dos que – como nós, Igreja que somos – querem ser evangelizadores: a) o medo do novo,
do desconhecido e da nova cultura que estão vindos por aí. Mesmo no
trabalho da missão prefere-se o que o Documento de Aparecida chama de
“uma pastoral de mera conservação” (Dap 370). Pagola acrescenta: “No
entanto, não é menos verdade que o que move a Igreja nestes tempos não é
tanto um espírito de renovação, mas antes um instinto de conservação”; b) o medo de “assumir tensões e conflitos
que traz consigo o procurar a fidelidade ao Evangelho. Calamo-nos
quando devíamos falar; inibimo-nos quando devíamos intervir...
preferimos a adesão rotineira que não traz problemas nem indispõe a
hierarquia”; c) o medo de “antepor a misericórdia acima de tudo,
esquecendo que a Igreja não recebeu o ‘ministério do juízo e da
condenação’ mas sim, o ‘ministério da reconciliação’. Há medo de acolher
os pecadores como Jesus fazia. Dificilmente se dirá hoje da Igreja que é
‘amiga dos pecadores’, como se dizia do seu Mestre”. E termina Pagola o
elenco de alguns medos, com a reação dos discípulos e a intervenção de
Jesus: “Segundo o relato evangélico, os discípulos caem por terra ‘muito
assustados’ ao ouvir uma voz que lhes diz: ‘Este é o meu Filho muito
amado... Escutai-o’. Mete medo escutar apenas Jesus. É o próprio Jesus
que se aproxima, toca-lhes e diz-lhes: ‘Levantai-vos e não tenhais
medo’. Só o contato com Jesus nos podia libertar de tanto medo”.
A
Transfiguração de Jesus revela-nos a nossa própria transfiguração em
filhos e filhas de Deus; de filhos e filhas de Deus em discípulos do seu
Filho muito amado; de discípulos apaixonados em missionários sem medo e
ardorosos e, consequentemente, alimenta a nossa esperança em “‘novos
céus e nova terra’, nos quais habitará a justiça” (2PD 3,13; AP 21,
1-4).
2. Maria assunta aos céus.
Não podíamos deixar de lembrar aqui a celebração da Assunção de Maria
aos céus. Aquela Maria que, ao anúncio do anjo, teve receio de ser a mãe
da Palavra, mas que, cheia de divina coragem, não teve medo do que
poderiam dizer seus vizinhos e parentes diante de sua gravidez; alegre,
visitou e serviu sua prima Isabel e “esteve com ela três meses”
(Cf. LC 1,56); fortalecida, acompanhou, passo a passo, o seu Filho
pelos caminhos desafiadores de sua missão de anunciar o Reino; mais
corajosa ainda, com Ele percorreu a Via Sacra e, aos pés da cruz, nos
recebeu a todos nós como filhos e filhas.
Intercessão.
Ó Maria assunta aos céus, livra-nos de todos os medos, infunde-nos
coragem e ânimo nesta nossa peregrinação terrestre rumo ao Reino
definitivo, auxiliando-nos, pela constante conversão, a nos transfigurar
à imagem do seu próprio Filho e alimentando a nossa esperança na futura
ressurreição. Amém!
Meu abraço fraterno para todos os queridos “transfigurados” na luz do Senhor Jesus!
PE.José Gilberto Beraldo
II Assessor eclesiástico Nacional Adjunto
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